Sem Destino
Foi como uma bomba implantada no meu cérebro que o filme explodiu. Sabem que, depois de ter lido o livro, ver inadvertidamente todas as imagens que projectámos um dia na cabeça reproduzidas em imagens verdadeiras, com rostos, corpos, cores. Não se trata de uma comparação livro/filme, porque advogo que as duas coisas são dois objectos artísticos diferentes e como tal não devem ser comparados no sentido qualidade relativa.
O livro chegou-me às mãos no ano de 2002, ano em que o autor Imre Kertesz ganhou o Nobel da Literatura. Na altura, ouvi e pensei barbaridades do género - prémio condescendente porque é dado a um tema óbvio e já mais do que debatido. Engano meu, pois a II Guerra Mundial (como todas as guerras) são temas que envolvem tantas histórias e tantas vertentes e tantos países.
Li o livro (Sem Destino)e fiquei abismado. É um livro simples e no entanto de tão díficil compreensão. Contudo, ao lermos com atenção e ao chegar à última palavra algo se ilumina dentro de nós, uma luz distante, difusa e triste. Mas bela.
O livro é semi-autobiográfico e conta a história de Koves (ou o próprio Kertesz), um rapaz de 16 anos que vê o pai partir para um campo de concentração e que mais tarde vai ele próprio para um.
Escrtito sem nenhum sentimentalismo (um dos seus trunfos), parece chocante no que parece uma tentativa de amenizar o holocausto. Mas isso está longe de acontecer. Sem dramatizar, Kertesz escreve o dilema do rapaz entre manter-se vivo mas sem perder o amor próprio. A experiência bárbara não é minimizada, mas também não é demonizada.
A grande violência do livro é a descrição do quotidiano a que estão sujeitos os prisioneiros. Aí, nesse mesmo quotidiano terrível, Koves e os seus companheiros aprendem a descobrir uma espécie de felicidade, sendo no apoio mútuo e nesses pequenos momentos em que o sol se põe, na contemplação destes infimos nadas que ganham força para enfrentar um novo dia bárbaro.
A mensagem è simples, mas dura. Koves é judeu e como judeu ensinam-lhe que deve aceitar o que o destino lhe trouxer, pois o povo judeu está condenado a sofrer, o que Koves faz, de certa forma. Depois da passagem pelo campo de concentração, Koves aprende uma lição que lhe muda a vida - não existe destino, porque se houvesse não existiria liberdade e é passo a passo que se constrói a vida, convivendo com o mal, aceitando a sua possibilidade estoicamente, percebendo que o que é comum e normal neste mundo não é o Bem, mas a maldade. Contudo, como Koves diz no fim, aí reside a esperança e o valor humano - na felicidade que encontrou nos campos de concentração.
O filme, objecto magnífico, tem a felicidade de ser servido não só pelo argumento do próprio Kertesz, mas também pela excelente fotografia e banda sonora (que é do Morricone).
A ler e a ver.
Aconselho a leitura desta crítica:
http://www.ft.com/cms/s/a955ba50-cefa-11da-925d-0000779e2340.html/
Etiquetas: Cinema, Literature
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