sexta-feira, dezembro 05, 2008

Recorrência

"Acho-os um pouco injustos" disse-o a mim próprio, ainda meio a dormir, coberto pelos edredons, apagado do mundo. "Claro que não o fazem por mal, mas às vezes chateia ter que ouvir as mesmas piadinhas vezes sem conta. Pessoa sem sentido de humor? Não me tenho como tal. Decerto não personagem mais histriónica ou que provoca mais risos."
Levanto-me finalmente da cama e de olhos abertos mas fechados sigo com os procedimentos naturais ao meu corpo. Esta recorrência perturba-me, porque sempre se agarrou a mim como um película viscosa.

"Vitimizo-me? É isso? Eles apenas gozam por gozar, tenho de ignorar e rir-me do simples facto de rir."

Ao espelho observo a minha pele (película viscosa invísivel) e contemplo todas as feridas ainda abertas. Experimento penetrar com um dedo na ferida. Dói. Retiro o dedo e deparo-me com sangue brotando do meu interior.

"Como ignorar se é recorrente, constante, maçador. Eu sou feito de branco, preto e cinzento, em camadas, linhas, pontos indistintos. Sou simples e complexo. Sangro. Sinto. E sinto-me mal quando me fazem sentir mal. Raios partam, sou humano."

Ponho um penso, vejo-o tornar-se vermelho. Depois visto-me e vou-me embora, levando comigo este dia recorrente.